viernes, 7 de marzo de 2008

Comparte Monseñor Nelson - Artículos de Leonardo Boff


A crise do Filho do Homem


A interpretação teológica da morte de Jesus na cruz, como sacrifício por nossos pecados, fêz-nos esquecer com demasiada pressa os reais motivos históricos que o levaram ao tribunal religioso e político e por fim ao assassinato na cruz. Cristo não foi simplesmente a doce e mansa figura de Nazaré. Foi alguém que usou pala­vras duras, não fugiu a polêmicas e para salvaguardar a sacralidade do templo, usou também da violência física. O contexto de sua vida, como as pesquisas recentes mostraram, é comum a dos camponeses e artesãos mediterrâneos que viviam uma resistência radical mas não violenta contra o desenvolvimento urbano de Herodes Antipas e o comercialismo rural de Roma, imposto na Baixa Galiléia –terra de Jesus - que empobrecia toda a população. Pregou uma mensagem que constituíu uma crise radical para a situação política e religiosa da época. Anunciou o Reino de Deus em oposição do reino de César e em vez da lei, o amor. Reino de Deus apresenta duas dimensões, uma política e outra religiosa. A política, se opunha ao Reino de César em Roma que se entendia filho de Deus, Deus e Deus de Deus, os mesmos títulos que os cristãos mais tarde irão atribuir a Jesus. Tal atribuição a Jesus, era intolerável para um judeu piedoso e um crime de lesa-majestade para um romano. A outra versão, a religiosa, se chamava apocalíptica que significava: face às perversidades do mundo, esperava-se a intervenção iminente de Deus e a inauguração de um Reino de justiça e de paz. Jesus se filia a esta corrente. Apenas com a diferença: o Reino é um processo que apenas começou e vai se realizando à medida em que as pessoas mudam mentes e corações. Só no termo da história ocorrerá a grande virada com um novo céu e uma nova Terra. Essa eutopia (realidade boa), não a Igreja, é o projeto fundamental de Jesus. Ele se entende como aquele que em nome de Deus vai acelerar semelhante processo. Essa concepção de Reino colocou em crise os vários atores sociais, os publicanos e saduceus, aliados dos romanos, a classe sacerdotal, os guerrilheiros zelotas e principalmente os fariseus. Estes são os opositores principais do Filho do Homem, pois ao invés do amor pregavam a rigidez da lei, no lugar de um Deus bom, “Paizinho”(Abba), um Juiz severo. Para Jesus Deus, é um Pai com características de mãe misericordiosa. Jesus faz desta compreensão o centro de sua mensagem. Entende todo poder como mero serviço. Rejeita as hierarquias porque todos somos irmãos e irmãs, sem mestres e pais. A crise que suscitou, levou à decretação de sua morte na cruz. Jesus entrou numa aguda crise pessoal, chamada pelos estudiosos de “crise da Galiléia”. Sente-se abandonado pelos seguidores, vislumbra no horizonte a morte violenta, como a dos profetas. A tentação do monte Getsêmani representa um paro­xismo:”Pai afasta de mim este cálice”. Mas também o propósito de tudo suportar e de levar seu compromisso até o fim. Na cruz grita quase desesperado:”Meu Deus, por que me abandonaste”? Mesmo assim continua chamando-o de “Meu Deus”. A Epístola aos Hebreus testemunha: “entre clamores e lágrimas suplicou Àquele que o podia salvar da morte”. Versões críticas antigas dizem “e não foi atendido…apesar de ser Filho de Deus teve que aprender a obedecer por meio dos sofrimentos”(5,7-8). Sua última palavra foi “Pai em tuas mãos entrego o meu espírito“, expressão suprema de uma confiança ilimitada. De fato, ele é apresentado como o protótipo do homem que suportou até o fim o fracasso do projeto de vida, crendo num sentido radical mesmo dentro do absurdo existencial. A ressurreição mostrou o acerto de tal atitude. Foi a base para proclamá-lo mais tarde como Filho de Deus e Deus encarnado.


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Vida para além da vida


Se olharmos à nossa volta, constatamos que a morte é a grande senhora de tudo o que é criado e histórico, pois tudo é submetido à segunda lei da termodinâmica, à entropia. A vida vai gastando seu capital energético até morrer. A vida mesma é um grande mistério, embora seja entendida como a auto-organização da matéria quando colocada longe de seu equilíbrio, quer dizer, em situação de caos. De dentro do caos, irrompe uma ordem superior que se auto-regula e se reproduz: é a vida. Mas isso não explica a vida. Apenas descreve o processo de seu surgimento. Ela continua misteriosa, como os próprios biólogos e cosmólogos continuamente o atestam.Onde há vida, sempre ocorre interação com a matéria para ganhar energia e se verifica uma multiplicação como forma de auto-conservação. Não obstante isso, há um limite intransponível - a morte - apesar de que formas inferiores de vida possam se manter vivas por milhares e milhares de anos. Assim, por exemplo, na pele de um elefante mamute, congelado na Sibéria, há cerca de 10 mil anos, foram encontradas bactérias capazes de revivificação. Em campos de sal mineral foram encontradas bactérias fixadas vitalmente há milhões de anos, portanto que não morreram e que podem ser reconduzidas as condições normais de vida. É comum, hoje em dia, submeter bactérias a baixíssimas temperaturas e posteriormente, passados muitos anos, recondicioná-las para a vida. Mas chega também para elas o momento da morte.Para o ser humano, a morte constitui sempre um drama e uma angústia. Tudo em seu ser clama por vida sem fim. Nem por isso pode deter os mecanismos da morte que se aproxima irrefragavelmente. São Paulo gritava: “Quem me libertará deste corpo de morte?” E respondia: “Graças a Deus por Nosso Senhor Jesus Cristo”. É supreendente., pois nesta frase se encontra a essência pura do cristianismo. Este testemunha o fato maior de que alguém nos libertou da morte. Em alguém, a vida se mostrou mais forte que a morte e inaugurou uma sintropia superior. É o significado maior da ressurreição, como um tipo de vida não mais ameaçada pela doença e pela morte. Por isso a ressurreição não pode ser entendida como reanimação de um cadáver a exemplo de Lázaro. Mas como uma revolução dentro da evolução, como um galgar a um tipo de ordem vital não mais submetida à entropia.Com isso se afirma que a vida mortal se transfigura. No processo de evolução, a vida alcançou tal densidade de realização que a morte não consegue mais penetrar nela e fazer sua obra devastadora. A angústia milenar desaparece, sossega o coração, cansado de tanto perguntar pelo sentido da vida mortal. Enfim, o futuro se antecipa, se encontra aberto e um desembocar feliz e aponta para uma vida para além deste tipo de vida.Logicamente, este é o discurso cristão que supõe a ruptura da fé. Os seguidores de Jesus testemunharam o sepulcro vazio e a manifestação do “novíssimo Adão”. Tal evento gerou ilimitada jovialidade e uma fonte inesgotável de esperança até os dias de hoje. Se Jesus ressuscitou, nós humanos, seus irmãos e irmãs, somos atingidos por esta ressonância morfogenética de outra ordem e assistimos antecipadamente um pouco do fim bom da criação e da vida.Embora suponha a fé, a crença na ressurreição constitui uma oferta de sentido para todos os que apostam em algo que pode ir alem desta vida. Em razão disso, a alternativa não é vida ou morte, mas vida ou ressurreição.


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Qual será o próximo passo?

A situação atual da Terra e da Humanidade nos faz pensar. Consolidou-se a aldeia global. Ocupamos praticamente todo o espaço terrestre e exploramos o capital natural até os confins da matéria e da vida, com a utilização da razão instrumental-analítica. A pergunta que se coloca agora é: qual será o próximo passo? Mais do mesmo? Mas isso é muito arriscado, pois o paradigma atual está assentado sobre o poder como dominação da natureza e dos seres humanos. Não devemos esquecer que ele criou a máquina de morte que pode destruir a todos nós e a vida de Gaia. Esse caminho parece ter-se esgotado. Do capital material temos que passar ao capital espiritual. O capital material tem limites e se exaure. O espiritual, é ilimitado e inexaurível. Não há limites para o amor, a compaixão, o cuidado, a criatividade, realidades intangíveis que perfazem o capital espiritual. Este foi parcamente explorado por nós. Mas ele pode representar a grande alternativa. A centralidade do capital espiritual reside na vida, na alegria, na relação inclusiva, no amor incondicional e na capacidade de transcendência. Não significa que tenhamos que dispensar a tecnociência. Sem ela não atenderíamos as demandas humanas. Mas ela não seria mais destrutiva da vida. Se no capital material a razão instrumental era seu motor, no capital espiritual é a razão cordial e sensível que organizará a vida social e a produção. Na razão cordial estão radicados os valores; dela se alimenta a vida espiritual pois produz as obras do espírito que referimos acima: o amor, a solidariedade e a transcendência. Se no tempo dos dinossauros houvesse um observador hipotético que se perguntasse pelo próximo passo da evolução, provavelmente diria: o aparecimento de espécies de dinos ainda maiores e mais vorazes. Mas ele estaria engado. Sequer imaginaria que de um pequeno mamífero que vivia na copa das árvores mais altas, alimentando-se de flores e de brotos e tremendo de medo de ser devorado pelos dinossauros, iria irromper, milhões de anos depois, algo absolutamente impensado: um ser de consciência e de inteligência - o ser humano - com uma qualidade totalmente diferente daquela dos dinossauros. Foi um passo diferente. Cremos que agora poderá surgir um ser humano com outro passo, pois será marcado pelo inexaurível capital espiritual. Agora é o mundo do ser mais que o mundo do ter. O próximo passo, então, seria exatamente este: descobrir o capital espiritual inesgotável e começar a organizar a vida, a produção, a sociedade e o cotidiano a partir dele. Então a economia estará a serviço da vida e a vida se imbuirá dos valores da alegria e da auto-realização, uma verdadeira alternativa ao paradigma vigente. Mas este passo não é mecânico. É voluntário. Quer dizer, ele é oferecido à nossa liberdade. Podemos acolhe-lo como podemos também recusa-lo. Ele não se identifica com nenhuma religião. Ele é algo anterior, que emerge das virtualidades da evolução consciente. Quem o acolhe, viverá outro sentido de vida, vivenciará também um novo futuro. Os outros continuarão sofrendo os impasses do atual modo de ser e se perguntarão, agustiados, pelo seu futuro e até sobre o eventual desparecimento da espécie humana. Estimo que a atual crise mundial nos abre a possibilidade de um novo passo rumo a um modo de ser mais alto. Dizem por aí que Jesus, Francisco de Assis, Gandhi e tantos outros mestres do passado e do presente teriam, antecipadamente, dado já esse passo.

Leonardo Boff Teólogo